MC Queer – Anatomia de um álbum

Saiu!

Depois de alguns meses de trabalho finalmente o álbum completo do MC Queer está em todas as plataformas digitais para ouvir, compartilhar e comprar.

Já tinha falado deste projeto AQUI, e todo o lance do #FervoTambémÉLuta. E o álbum completo fecha esse conceito de uma forma bem legal.

Vamos decupar tudo, ponto a ponto, inclusive a produção, os erros, acertos e resultados.

O disco todo você já pode dar PLAY aqui, lançamento pela One RPM, e aos poucos vai ouvindo e lendo tudo.

Para ouvir em outras plataformas clique AQUI

Primeiro, antes de explicar como foi a produção, acho importante ter a visão do artista. Do que ele quer com o projeto. Qual a idéia dele por trás de tudo.
E tá tudo explicado aqui nesse release, que sai hoje para toda a imprensa.

MC QUEER
Uma voz que chega ao funk para desconstruir padrões e falar sobre homotransfobia, cultura queer e luta pelos direitos LGBTQ. MC Queer apresenta um projeto musical de cunho filantrópico, com o objetivo de espalhar uma mensagem de respeito, empoderamento e aceitação, usando o funk como veículo. Nascido Felipe Cagnacci, MC Queer prefere se descrever um ativista usando a música e não um músico usando o ativismo.

O FUNK
Queer acredita que o funk tem legado em dar voz a minorias e escolheu o batidão para se expressar por conta da capilaridade do estilo no Brasil, permitindo abrir diálogo com diferentes idades, classes sociais e identidades de gênero.

O ALBUM
Com produção musical de Maestro Billy, o EP “MC Queer” é dividido entre Lado A e Lado B, de maneira a expressar a visão do cantor sobre duas perspectivas: o ativismo pela causa e o meio em que convive.

Lado A, de Ativista – As 3 primeiras faixas do disco representam o ativismo pelas questões da causa. A começar pelo já conhecido single de “Fiscal”, que versa contra a homotransfobia sobre uma batida clássica do funk proibidão do início dos anos 2000. A música de abertura é seguida por “Bancadão”, que coloca em pauta o fundamentalismo religioso acompanhado de um beat contemporâneo, muito presente nas produções paulistas do gênero. “Sururu” encerra o Lado A, celebrando a expressão de corpos oprimidos e apresentando um ritmo de pista, com intervenções marcantes de trap.

Lado B, de Bicha – As 3 faixas seguintes são um convite à reflexão do meio pelo próprio meio. “Acabou a Amizade” traz à tona uma discussão sobre a real necessidade e consequências do uso de drogas como escapismo à realidade de opressão, cantada sobre scratches em vinil que ajudam a materializar a cena. “Tudo 2” propõe uma batida pop enquanto discute o preconceito à diversidade dentro da própria comunidade e “Stalker”, um funk declamado, coloca em pauta a tecnologia como veículo potencializador da efemeridade das relações, do sexo e do afeto.

Faixa Bônus – Assim como a primeira faixa, “Charme da Loca” fecha o disco nos levando de volta ao início dos anos 2000, dessa vez pela batida melódica do charme. A música fala de amor com humor e apresenta um tom de voz mais doce, acompanhado de assovios do próprio MC marcando o compasso. “Se o nosso ônus é lutar contra o ódio, o bônus tem que ser sobre amor”, brinca Queer.

FICHA TÉCNICA
Produção Musical: Maestro Billy
Estúdio: SunTrip
Editora: OneRPM
Letras: MC Queer (Fiscal, Bancadão, Sururu, Tudo 2, Stalker, Charme da Loca) e Marcelo Pascoa (Acabou a Amizade)
Arte de capa: Felipe Rocha
Foto: Paula Castro Fotografia

Sim, o conceito todo é este. Música que fala sobre homotransfobia, cultura queer e luta pelos direitos LGBTQ.
Isso abre um campo enorme em termos de produção. Não dá pra resumir e ser leviano em dizer que a cultura queer é calcada única e exclusivamente na House Music, ou que a cultura queer é específica de um nicho.
Não.
Quando se diz “cultura queer”, penso em um termo muito mais amplo.

Então o FUNK foi o “meio” escolhido para passar as mensagens. Pelo legado de dar voz à minorias e pelo artista mesmo ser fã do genero. No meu caso, enquanto produtor, tenho contato com o mundo do Funk desde muito tempo atrás. Fui um dos primeiros DJs a tocar Funk nas TVs do Brasil, acho o movimento extremamente representativo, vivo, interessante e plural. Como todo e qualquer movimento musical, o Funk tem seus altos e baixos.
E foi pensando nesses “altos e baixos” que comecei a produzir o álbum.

CONCEITO DE PRODUÇÃO

OK. Funk escolhido como estilo, fui buscar o que eu acho mais legal de Funks que já ouvi e já toquei. Lembrei MUITO da época dos funks do MC Marcinho, MC Leozinho, Tati Quebra-Barraco, etc. Aqueles Funks de 10, 12 anos atrás que foram sucesso e que atravessaram a fronteira de nicho do Funk para virarem música Pop brasileira. Hoje em dia temos Anitta, Ludmilla, Valesca, MC Sapão e mais um monte de artistas ainda fazendo esse Funk “crossover” com sucesso.
Também pensei no que “funciona” legal na pista. Mas pensei com um pé atrás, não só no nicho, mas em tentar alcançar a maior quantidade de gente possível, para que a mensagem chegue em todos os lugares.
Lembrei de festas de casamento, festas de empresas, eventos extremamente plurais, onde vc tem que agradar do avô da noiva até o presidente da empresa passando pelas crianças mais novas, a turma do almoxarifado e todo mundo mais que tá lá pra se divertir.
Toca Funk Proibidão? Não.
Toca Funk Ostentação? Não.
Toca Funk “Pop”? Toca.
Toca Charm? Toca.

Então fui nessa onda.

Outro aspecto que pensei na hora da produção foi numa tentativa de criar uma nova ramificação do estilo. A dança do Funk é extremamente sensual, muita bunda descendo, muita requebrada.

E quais estilos hoje em dia são associados diretamente à essa dança mundo afora? O Twerk, o Bass e o Trap.

Então, resultado final, o disco seria uma mistura de Funk anos 2000+ com toques de funk atual, Bass, Twerk e Trap.

Separei vários loops de vários estilos de funk e mandei para o MC Queer, para ele ouvir e descobrir qual batida casaria com qual letra. E o processo foi bem este mesmo. Ele ouvia as bases, tentava cantar as idéias por cima, me mandava um arquivo de áudio pelo WhatsApp e eu montava a música em cima daquilo que ele havia mandado.

Passado isso, comecei a produção, música à música.

Vamos à elas.
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FISCAL

A primeira produção, até porque era a música que estava mais na cabeça do MC Queer. A mensagem é clara contra homotransfobia e o conceito todo é bem direto.
Montei a base pensando no mais básico do Funk, o Tamborzão. E adicionei elementos de Trap, que apesar do funk ter um bpm mais lento, criou o clima necessário para dar dinâmica e ritmo na música. Também coloquei sons característicos do Funk, como esse “trombone” que todo mundo usa mas com um som um pouco mais fluído do que é usado atualmente no pancadão, uma percussão mais aguda. Nenhum acorde aqui, só sons secos, sem abertura nem nada. Sub-bass em toda a música dando a marcação das cabeças de tempo, muita modificação nas bases durante a música toda. O vocal foi todo feito em 5 canais, com voz principal, dobras em alguns momentos, vinheta “O Fervo também é Luta” (para ressaltar a mensagem em alguns momentos da música) e outros climas como o momento do Grindr na igreja (“E aí? Firmeza?) com um reverb de catedral só nessa frase.

Ouça –

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BANCADÃO

O desafio aqui era criar o clima certo para passar a mensagem de intolerância religiosa. Pensamos e até testamos usar samples de músicas que falam sobre o assunto, mas não houve tempo hábil para liberar o copyright e o uso. Como o vocal é todo trabalhado no repente, usando o solo como “resposta” para as frases, a música poderia ficar extremamente repetitiva. Mas acredito que consegui criar uma fluência interessante, ressaltando a mensagem frase a frase.
No meio da música dois raps, uma parada para respirar e volta tudo novamente.
O vocal ficou todo diferente em cada momento da música. Efeitos de equalização e compressão para dar um peso à mensagem no meio, alguns stutters (esses pa-pa-pa do meio), e no final o vocal todo cropado veio da idéia da música do Front 242, Animal (Gate). Conseguir fazer com que se entenda o que foi cantado usando só “meias palavras” ficou interessante.
Usei um som de videogame 8 bit em loop, que mudava conforme a música rolava. É um “alarme” na música, que fica de fundo no refrão. Confira.
A batida veio dos funks cariocas e paulistas atuais, com a batida sendo vocalizada (vários canais de voz fazendo “uh”, “tchá”, “pim”), que remente também aos avôs do Funk, o Kraftwerk, na música Boing Boom Tschak. 🙂
Mais climas de Bass e Trap, alguns climas de techno e a música tava pronta.
E a desligada de vinyl no final. hahahaha

Ouça-

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SURURU

A mais divertida do álbum. Clima pra pista. Acho que fiz umas 4 ou 5 versões até chegar nessa. Baseado na letra (“Twerk na posição, aqui não tem tabú…”) pensei em fazer quebras para Twerk/Trap. Só que a música é em 130 bpms, e o Trap funciona entre 75-85 bpms. Pensei e testei vários formatos (até com o ritmo e o bpm mudando em todos os refrões), mas optamos por colocar a pegada do Trap só no final, para realmente descer até o chão. Ou seja, a música começa em 130 bpms e termina em 83.
Cheio de graves e sub-bass, sirene para marcar o refrão, uma batida de Funk feita na Roland TR808 (como os funks mais antigos tipo “Rap das Armas”) depois dividida no bpm para o clima final, alguns sons bem Trap durante, guitarra wah em loop contínuo, e muito Twerk no final, depois da parada, quando efetivamente “rola o Sururu”.
7 canais de voz, entre vocal principal, aberturas, efeitos L/R, vocais de fundo no refrão e tudo mais.
Sem contar todas as paradas com a desligada de disco mais rápida que na Bancadão, para ressaltar a brincadeira da rima subentendida na letra.

Ouça-

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ACABOU A AMIZADE

Como a música fala de drogas, achei legal usar distorção na voz logo no início para chamar atenção em algo diferente. O loop de Funk do fundo foi feito com “fungadas”, usei um Organ Bass na linha “Show me Love” da Robin S que atualmente voltou e ser muito usado, mas que também remete ao universo de baladas dos anos 90, alguns sons de Techno e Progressive bem na cara, muito scratch e beats quebrados meio que numa pegada Bounce para dar ritmo e massa, e antes do último refrão um build-up junto com o vocal e bem EDM, com paradinha logo após e tudo mais.
O vocal foi todo gravado em partes, até porque não tínhamos o conceito todo da música pronto quando entramos em estúdio. Aí foi fácil montar e colocar tudo em ordem para dar coesão à mensagem.

Ouça-

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TUDO 2

A idéia aqui é ser a mais Pop do álbum. Pensei numa batida mais quebrada na linha “Nina Sky – Move Your Body” e também de algumas produções da Beyoncé. Pela letra pensei no ritmo. Quando ele diz “sobe nesse tijolo bate muito bolo” imagino o tipo de dança que sai disso. Virou o ritmo. Não é 100% um Funk, é algo mais pro Tipoc, batida mais rápida e seca. Nenhum acorde cheio, só sons esparsos em cima do ritmo, para dar agilidade e não criar nenhum momento mais leve na música. Sub-bass bem presente, com uns climas bem agudos e o som do “trombone” característico do Funk atual.
15 canais de vocal, um principal, 2 pro refrão, um grave para dar peso no refrão, 3 para respostas à letra (“veste”, “não”, etc) e o resto todo para o “coro” do refrão. Fora o “ah” agudo durante a música toda, que era para ser só uma intervenção e virou loop.

Ouça-

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STALKER

A brincadeira aqui é o P.A.U. com a “Paz” da letra. Não quis deixar muito óbvio para não estragar, então usei um Vocoder para fazer o P.A.U. e criar um acorde disso, o resto dos sons são só efeitos. Um build up sempre antes do refrão, o tromboninho de novo, mas com um delay, muitas paradas de ritmo que apesar dos vários elementos, quase nunca aparecem mais de 2 ao mesmo tempo.
Voz principal, P.A.U. em Vocoder, 6 vocais no refrão, mais 4 canais só de efeitos para a voz.

Ouça-

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CHARME DA LOCA

A mais trabalhosa do álbum. Composição complexa com inspiração total nos Charmes dos anos 80-90. Latino, Claudinho & Buchecha, Stevie B, Trinere. A história de amor impossível dentro da Loca é o clima da música então usei todas as sonoridades e artifícios das músicas antigas, tipo os Bells, os Strings, Piano elétrico, Oberheim fazendo marcação de teclado no refrão, Moog e Piano String para os solos, bateria TR808 e TR909 para chegar no resultado final; uma música bonita, que também serve para dançar.
Sons clássicos para um resultado mais classudo. 🙂
Por cima disso alguns sons mais modernos de teclado e no final um coral de assovios que descobrimos eu, o Betho Ieesus (do estúdio Sun Trip) e o Rafael Barreiros (coach vocal) por acaso durante a gravação. O MC Queer começou a assoviar em cima da melodia, achamos que seria legal usar para criar uma outra textura.
2 canais de voz. Um principal e outro para aberturas bem sutis no refrão.

Ouça-

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MONTAGEM FINAL

Em nenhum momento nos preocupamos com a duração de cada música. Fizemos todas pensando no tempo que era necessário para se passar a mensagem desejada. Tanto que a Stalker, por exemplo, tem 1min32seg. Se fosse aumentar ficaria cansativa. Com esse tempo conseguimos passar a mensagem sem enrolar o ouvinte.
Se é para reforçar um refrão, como no caso da Sururu, repete-se algumas vezes.
Os tempos são outros, não é necessário música de 4 minutos.
O que é necessário é que a mensagem chegue claramente ao ouvinte.

A masterização foi um processo muito importante do álbum. Como a idéia foi criar um clima um pouco diferente do que tá acontecendo atualmente no Pop/Funk atual, optamos eu e o Betho do Sun Trip em não pegarmos nenhuma música ou estilo nacional para comparação de masterização.
Fomos atrás dos sons mais Pops e bem mixados/masterizados atuais, como a Katy Perry (sim, vc pode não gostar das músicas, mas a qualidade técnica é inegável).
Assim a master deu coesão à tudo e criou uma profundidade interessante.
A master serve tanto para tocar em rádio como para tocar na balada. Funciona nas duas frentes.

Feito isso, a montagem da ordem do álbum foi outra preocupação. Já que tínhamos lançado a Fiscal em single anteriormente, montamos a ordem começando por ela, para criar a identificação imediata do ouvinte. Além disso, pensei no encadeamento harmônico entre as músicas, sempre levando o ouvinte um passo à frente. Começamos com a Fiscal em Dó menor e finalizamos com o Charme da Loca em Ré Maior. Tudo no meio é consequência do que veio antes.
Além disso fiz as edições de intro e outro no tempo e no bpm. Assim você pode ouvir o álbum inteiro de uma vez só que ele parece mixado.

🙂

Tudo de bom,

Billy.

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